A venda casada é ilegal. Saiba como identificá-la
Publicado em 04/08/2025 , por Bruna Teixeira
Ser impedido de entrar no cinema com lanche comprado em outro estabelecimento ou ser obrigado a adquirir ingresso pelo valor integral em eventos open bar, mesmo que não vá consumir bebida alcoólica, são práticas irregulares. Especialistas orientam clientes sobre o que fazer
A chamada venda casada ainda é frequente e desperta dúvidas nos consumidores. A prática ocorre quando uma empresa condiciona a venda de um produto ou serviço a outro. Ou seja, obriga o cliente a comprar algo — muitas vezes, não desejado — como condição para adquirir o item de interesse. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) considera essa conduta como abusiva e a proíbe. Além disso, a Lei n.º 12.529/2011 (que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica), prevê que essa exigência configura infração à ordem econômica, podendo gerar multa. É o que explica a advogada especialista em direito processual Thaís Barbosa Caldeira.
"Essa conduta viola a liberdade de escolha e a autonomia da vontade do consumidor, mesmo quando o cliente aparentemente 'aceita' o produto ou serviço. A aceitação muitas vezes decorre da vulnerabilidade do consumidor, que não possui o mesmo poder de 'barganha' do fornecedor. O consentimento obtido sob ameaça econômica ou falta de transparência não é válido", destaca.
Nem sempre essa prática está claramente apresentada aos consumidores. No dia a dia, algumas ações que podemos considerar normais, estão enquadradas nessa infração. Por exemplo, quando redes de lanchonetes atrelam a venda de um lanche infantil ao recebimento de um brinquedo ou quando uma empresa de salão de festas impõe a contratação de um buffet específico para o aluguel do espaço.
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Ainda de acordo com a advogada, para evitar cair nesse tipo de armadilha, algumas medidas podem ser tomadas. "O consumidor deve ler atentamente os contratos, desconfiar de exigências para aquisição conjunta e sempre solicitar a separação dos produtos ou serviços em orçamentos distintos. É importante questionar o fornecedor e, em caso de dúvida, buscar orientação nos órgãos de defesa do consumidor antes de concluir a contratação", recomenda a especialista.
Open bar
Um caso comum são os eventos "open bar", onde o consumo de bebidas alcoólicas é liberado mediante o pagamento de ingresso. Conforme a advogada especialista em direito do consumidor e direito bancário Tays Cavalcante, a prática pode ser considerada abusiva, especialmente se não houver a opção de ingresso sem bebida. "Isso obriga a pessoa a pagar por um serviço que não deseja. Assim, conforme dispõe o CDC, isso se enquadra como venda casada, uma vez que se condiciona o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto," explica a advogada. "A ausência de outras opções pode ser vista como venda casada por imposição, especialmente se o consumidor não pretende consumir bebidas alcoólicas", afirma.
O estudante Guilherme Rocha, 21 anos, não consome álcool e conta que já deixou de frequentar vários eventos por não ter a opção de comprar um ingresso sem o valor das bebidas incluso. "Recentemente teve uma festa que eu não fui porque só tem ingressos com bebida alcoólica. O fato de ter a bebida inclusa aumenta o preço do ingresso e isso acabou me limitando financeiramente, fazendo com que eu não fosse. É desanimador participar de eventos assim", relata o jovem.
Além disso, Guilherme também expressa que acha a prática injusta. "Eu não acho que é uma cobrança justa, porque no custo do ingresso está inclusa essa parte da bebida, e para uma pessoa que não bebe ela só está pagando a mais, teoricamente ela não está consumindo parte do valor do ingresso, que tem bebida inclusa. Então acho uma falta de respeito", desabafa.
A advogada ressalva, no entanto, que, até o momento, não há legislação federal específica sobre os eventos open bar, mas ocorreram debates sobre o tema. "Há projetos de lei em tramitação em algumas assembleias legislativas e câmaras municipais que visam regulamentar a comercialização de bebidas alcoólicas em eventos, por razões de saúde pública e proteção ao consumidor. Também existem decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e de cortes de outros estados reconhecendo o direito à devolução proporcional do valor de ingressos quando a pessoa não consumiu bebidas", completa.
Exceção
Nem sempre é fácil identificar uma venda casada, que também pode ser confundida com promoções ou estratégias comerciais. O advogado especialista em direito do consumidor Watson Silva assinala que as principais diferenças estão na liberdade de escolha do cliente e na transparência da oferta. "Promoções legítimas oferecem vantagens condicionadas à combinação de produtos, mas sem impedir a compra isolada de cada item. Já a venda casada impõe uma condição obrigatória para a contratação, ainda que o consumidor não deseje o item ou serviço adicional", detalha.
Ainda segundo o especialista, há situações em que a vinculação de produtos ou serviços é permitida por razões técnicas, operacionais ou regulatórias, como em serviços integrados ou inseparáveis por natureza. "A contratação de um plano de internet que exige um modem específico da operadora para funcionar adequadamente pode não ser considerada venda casada, desde que a exigência tenha base técnica e não haja imposição de compra sem alternativa razoável", diz. Contudo, as exceções devem ser justificadas de forma clara, objetiva e transparente.
Caso o cliente descubra que foi vítima de venda casada após fechar a negociação, ele continua com seus direitos. "O consumidor muitas vezes não tem acesso à informação adequada ou se vê coagido a aceitar o serviço complementar por não haver outra alternativa real de contratação. A 'aceitação' em tais casos não é livre, mas forçada por uma limitação imposta pelo fornecedor, contrariando o princípio da vulnerabilidade do consumidor previsto no CDC", enfatiza o advogado.
Dhebora Lucena, 27, recentemente foi ao cinema com uma amiga e antes do filme compraram lanches para consumirem na sala enquanto assistiam ao filme. Ao tentarem ingressar, o funcionário informou que não poderiam entrar com os produtos, apenas tivessem sido adquiridos no próprio estabelecimento. Para não terem prejuízo, optaram por consumir o lanche rapidamente antes de entrarem. "Foi uma situação muito chata. Nós avisamos ao funcionário que não sabíamos que não podia entrar com comida e que a nossa sessão estava começando, mas ele nos proibiu de entrar mesmo assim. Falou que precisaríamos descartar ou consumir o lanche ali fora antes de entrar", relata.
Além disso, ela observa que não havia nenhum aviso sobre isso no cinema. "Não tinha nenhuma placa ou comunicado. Só descobrimos quando o rapaz nos proibiu de entrar e disse que não havia o que fazer, que não poderia abrir exceções", conta. Dhebora não reclamou em órgãos de defesa do consumidor porque, na ocasião, não sabia que a exigência é ilegal.
Justiça
O TJDFT tem se posicionado firme e protetivamente ao consumidor, considerando abusiva qualquer prática que limite injustificadamente a liberdade de contratação de qualquer serviço ou produto. Com base no CDC, a Corte tem determinado o cancelamento das cobranças indevidas e, em muitos casos, condenado fornecedores ao ressarcimento de valores pagos indevidamente e até a indenizações por danos morais em casos mais graves.
O Procon-DF aconselha que, ao se deparar com esse tipo de prática, o consumidor deve fazer a denúncia no site oficial do Instituto de Defesa do Consumidor ou buscar atendimento presencial em regiões onde esse serviço é disponibilizado. Após o registro, o órgão orientará o procedimento para resolver o problema.
Os advogados recomendam reunir provas (contratos, notas fiscais, prints de conversas, gravações etc.); registrar reclamação (além do Procon, há a plataforma consumidor.gov.br e outras não oficiais, como o Reclame Aqui, que também podem ser formas de tratativas administrativas válidas. Outra medida, se necessário, é procurar o Juizado Especial Cível pedindo restituição de valores pagos indevidamente e eventual indenização por danos morais, com base no artigo 6º, inciso VI, do CDC.
Onde recorrer
Procon: o atendimento é feito por meio do número 151, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. O consumidor também pode entrar em contato pelo e-mail:
151@procon.df.gov.br. Os endereços dos postos podem ser consultados pelo site procon.df.gov.br/postos-deatendimento-2.
Plataforma consumidor.gov.br: é possível comunicação direta com as empresas que participam da plataforma, que se comprometem a receber, analisar e responder reclamações em até 10 dias.
Reclameaqui.com.br: plataforma de solução de conflitos entre consumidores e empresas. Nela, também é possível verificar a reputação da empresa, as reclamações registradas e o atendimento às demandas
Juizados Especiais Cíveis. Contatos, orientações e atendimento no site tjdft.jus.br/informacoes/juizados-especiais.
Fonte: Correio Braziliense - 04/08/2025
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